Do objeto a ao sintoma e o semblante

Cada Congresso da Associação Mundial de Psicanálise tem seu segredo: na ante-sala de seu fechamento todos esperam com expectativa o título que os convocará, durante os dois anos subseqüentes, para um trabalho coletivo. Quando o véu se levanta, subitamente descobre-se que o resultado esteve sempre ao alcance da mão.

Durante o último Congresso, Jacques-Alain Miller evidenciou de forma clara e simples sua lógica: tríades que competem ao ensino, à prática, à prática atualizada e, finalmente, a volta sobre (o retorno) o ensino de Lacan. A série se monta como peças de construção sob a égide de uma transferência de trabalho a partir das Escolas, mas fundamentalmente em direção à psicanálise.

Os últimos dois Congressos marcaram uma topologia de passagem, a qual vai do Uno (Nome-do-Pai) aos outros (objeto a) e também seu reverso, como assinala Miller, do objeto a no singular aos Nomes do Pai no plural. A proposta para o Congresso de 2010 enfatiza a semblantização que concerne tanto ao objeto a como ao Nome-do-Pai; tanto um como o outro se tornam um semblante no último ensino de Lacan. Introduz-se assim um novo desafio que consiste em examinar o binômio do sintoma e o semblante, um junto ao outro, marcando suas tensões, suas similitudes e diferenças desde a perspectiva da semblantização generalizada dos conceitos fundamentais da psicanálise.

O Congresso de 2008 marca uma baliza associativa. Sua Aufhebung modifica as vestimentas, mas mantém os princípios éticos que palpitam em seu seio. Dado que a AMP é uma Associação Internacional que é regida a partir do direito francês, Éric Laurent, Delegado geral da AMP, propôs em seu discurso de candidatura a modificação dos estatutos levando em consideração a regulamentação do sistema de “Utilidade pública” atualmente na École de la Cause freudienne. Da votação resultou a metamorfose da AMP, conduzida agora pelo Presidente da Associação. Por sua vez, um Código Deontológico foi apresentado a discutido na Assembléia da AMP, de tal modo que as questões éticas encontrem seu lugar em nossa comunidade. O presente número de Opção Lacaniana expressa este intenso momento institucional, que busca encontrar respostas frente às exigências incessantes de nossa contemporaneidade. Os matizes do diálogo com os poderes públicos determinam a busca de uma posição frente às regulamentações próprias das crescentes exigências do Estado. A inserção da psicanálise na cidade determina e orienta o trabalho dos dispositivos dos CPCTs nas diferentes cidades. Mas a psicanálise inclui outras nervuras que se expressam na ciência, na arte e na política. Estes itens são retomados neste número através dos painéis que tiveram lugar durante o Congresso. Uma das particularidades do discurso analítico manifestou-se no painel oportunamente dedicado à leitura do algoritmo da transferência a partir do objeto a, de tal modo que o objeto desarticulado entre no laço que comporta este discurso e possa moderar o gozo.

Os finais de análise e experiências do passe testemunhados pelos AEs recentemente nomeados e outros em exercício, vêm acrescer ao nosso encontro plus de saber.

E, para concluir, o princípio do número vincula-se com seu final, sustentando assim um encaminhamento do sintoma. A felicidade do sintoma se contrapõe às desventuras do parceiro sintoma ou são sua expressão? Como se declina o parceiro sintoma como “meio de gozo” em nosso tempo?

“Estamos feitos da madeira de nossos sintomas”, conclui Jacques-Alain Miller em sua exposição no teatro Coliseo de Buenos Aires, parafraseando Borges, que relembrava como somos feitos da madeira de nossos sonhos. Mais exatamente, “podemos ser o sintoma de outro ou de outros” e nos confrontar com o desafio de elaborar um saber a respeito de como nossos corpos se dispõem em relação aos outros segundo seus sintomas a partir do semblante.

A variedade de soluções pragmáticas frente ao uso do objeto a diversifica a clínica contemporânea e multiplica os estilos de gozo e as suplências operativas. Disso dão conta os trabalhos com os quais se conclui este volume, que mostram como da operação analítica desprende-se um novo uso do objeto. É assim que se assegura a felicidade?

Quando se tenta objetivar cientificamente a medida felicidade, principalmente com bases econômicas ou quantificáveis através de protocolos ou estatísticas, algo sempre se furta e escapa, como no tonel de Diógenes. Éric Laurent assinala que o índice da felicidade corresponde a políticas específicas que vão da homogeneização a partir de ideais comunitários até o empuxo ao consumo. Mas o sentido foge e descobre-se em anamorfose seu mistério.

A posição de gozo nunca corresponde a um “para todos”, sempre é única e comporta certo grau de inércia frente aos ideais sociais. Nesse sentido, a felicidade de cada um tropeça no gozo dos outros e confronta o sujeito com seu desamparo frente ao imperativo de “ser feliz”.

Texto traduzido por Paola Salinas
* Publicado em Opção Lacaniana no. 52, Brasil, Septiembre de 2008.