As mulheres e seus gozos

Falar das mulheres no plural tem uma justificativa lógica na teoria psicanalítica: na falta de um significante que possa nomear A Mulher, só se pode falar delas no plural. Cada uma delas encontra sua maneira de suprir esse vazio central, inventando a mascarada na qual apresenta sua feminilidade. Na realidade, existem mulheres femininas e outras masculinas; uma e outra direção fazem parte de posições com o partenaire.

Talvez exista um elemento comum para a maioria delas. Ou, melhor ainda: a perda do amor, as vias particulares do desejo e do gozo, os labirintos no quais se perdem os seres que se amam, nada disso é exclusivo das mulheres. O mal de amor sempre existiu, é quase constitutivo do encontro e desencontro amoroso. No tanto, o início do século XXI radicaliza o mal-entendido, uma vez que o exílio nos gozos individuais torna cada vez mais difícil a experiência amorosa. Ainda assim, a contingência do encontro permite que homes e mulheres, para além das desesperadas promessas de amor, não renunciem a tornar necessário um amor sempre possível.

A sexualidade feminina é um tema que ocupa incansavelmente a comunidade psicanalítica, desde o seu início. A partir da primazia fálica inicial, que homologava ambos os sexos, gradualmente se foi configurando a procura de uma especificidade feminina. Mais de um século de psicanálise nos permite localizar os desfiladeiros do gozo na sexualidade das mulheres, que não se restringe ao falo, mas envolve um mais além.

As mulheres e seus gozos[2] é um livro decorrente das aulas ministradas durante vários anos na Escola de Orientação Lacaniana. Entretanto não se trata da reprodução dessas aulas, mas antes da escritura daquilo que se depositou como elaboração de saber ao longo desses anos.

O percurso do texto vai de Freud a Lacan. A primeira parte apresenta Freud contra Freud. Três tempos marcam sua conceitualização da sexualidade feminina: o primeiro, a homologação da sexualidade do menino e da menina, no começo de sua obra; o segundo, a virada dos anos 1920 com a premissa de primazia fálica, não-genital, para ambos os sexos, a ascensão do falo a símbolo que inscreve a castração, a presença do Édipo invertido, e, finalmente, a dissimetria entre ambos os sexos, efeito da diferente relação entre o complexo de Édipo e o complexo da castração; e o terceiro corresponde á analise da relação precoce da menina com a mãe, pré-edípica, na década de 1930, e sua passagem para o pai.

A segunda parte do livro dá voz aos contemporâneos de Freud. Primeiro, analisando aquilo que as analistas mulheres foram capazes de extrair de sua subjetividade e retornar em seus trabalhos sobre a sexualidade nas mulheres, temas como o masoquismo, a vida amorosa, a maternidade, a ferocidade do supereu e a frigidez, entre outros, refazendo assim o percurso dos psicanalistas pós-freudianos homens em sua abordagem dessa questão.

A terceira parte diz respeito a Lacan, inicialmente desenvolvendo as vicissitudes do conceito de falo na teoria lacaniana, para extrair assim as conseqüências que se seguem à análise da sexualidade nas mulheres. “A luta dos sexos” se insere na psicopatologia da vida amorosa, segundo a trilogia escrita por Freud. No capítulo seguinte, “A metáfora do amor e a dialética do desejo”, é retomada a temática da relação entre os sexos de acordo com a dialética fálica teorizada por Lacan nos anos 1950. Finalmente, o capítulo intitulado “A repartição sexuada” retoma as “fórmulas de sexuação” formalizadas por Lacan, a teoria dos gozos, ou seja, a inclusão do gozo suplementar e suas conseqüências na vida amorosa.

A última parte desse texto foi intitulada “Nuances do feminino”. Incluem-se aí dois estudos específicos. O primeiro relativo à maternidade, e o segundo, à relação entre histeria e feminidade. Em cada um deles se procura analisar as distintas posições tomadas por Lacan de acordo com os diferentes momentos de seu ensino.

Em seu conjunto, esse livro não pretende e não poderia tornarse um estudo que pudesse abranger toda a temática da sexualidade e do amor nas mulheres. Depois de tudo, ao se contar as mulheres uma por uma –na ausência de um universal, como propõe Lacan– nãotudo pode ser dito. Resta o escrito e o esforço de tentar apreender o que, inevitavelmente, se furta e desliza nos mistérios da sexualidade feminina.

* Publicado en “Mulheres de hoje: figuras do feminino no discurso analítico”, Brasil, 2012

NOTAS

  1. Traduçao Aléssia Fontenelle (EBP-Bahia)
  2. TENDLARZ, Silvia. Las mujeres y sus goces. Buenos Aires: Colección Diva, 2002.